O Município já apurou o poema vencedor do Concurso de Poesia “Liberta Abril”, uma iniciativa integrada nas comemorações da Revolução dos Cravos.
Intitulado “Corpo Fechado”, o trabalho distinguido é da autoria de Rita de Santo António.
O poema vencedor e mais dois trabalhos selecionados, entre os que foram submetidos a concurso, serão declamados durante o concerto comemorativo do 25 de Abril, que terá lugar na noite de 24 de abril, no Auditório Municipal de Resende.
A variedade de estilos e formas de expressão apresentadas demonstraram que a poesia continua a ser uma forma de arte viva e inspiradora no nosso concelho, tornando exigente o trabalho do júri na seleção dos poemas.
Deixamos o nosso agradecimento a todos os participantes pelo empenho e os parabéns pelo contributo para a celebração dos valores de Abril, através da força da palavra.
Promovido pela Biblioteca Municipal de Resende, este concurso literário pretendeu incentivar a criação poética e celebrar os ideais de liberdade, democracia e resistência, que marcam o espírito de Abril.
Corpo Fechado
Um estampido, não um som, mas o colapso de uma era,
Era tarde, ou cedo, quem ousaria medir o tempo em ruínas?
Na cela sem janelas,
O tempo não era uma sucessão de horas, mas um monstro faminto,
Que se alimentava da carne da espera,
Da carne de quem já não sabia o que era respirar sem dor.
A porta cedeu num estertor ferrugento,
E uma voz vinda de além desferiu um comando:
– Levanta-te.
Levantar-me era um luxo obsoleto,
Era a última rebelião do corpo contra a sua própria exaustão.
Os joelhos, frágeis, tremeram,
mas o chão, finalmente, não me devorava,
Era uma promessa de liberdade ensanguentada.
Lá fora, um oceano de punhos elevados,
Gargantas que vociferavam sem temor,
Com a fúria de quem não possui mais palavras,
O medo, esse espectro, jazia, esmagado,
Nos escombros do que fomos,
E na terra que se vestia de sangue, os gritos urravam como exoneração.
Dei um passo, depois outro,
E com cada movimento, uma eternidade se dissipava.
Então vi, pela primeira vez,
Um cravo a brotar da boca da espingarda,
Não como um gesto de resistência,
Mas como um ato divino,
Onde a violência se curva à fragilidade da esperança.
(Rita de Santo António)